Friday, May 25, 2007

Monday, May 21, 2007

O Testemunho de quem fez o Nô Djunta Mon

Guiné-Bissau… a terra que sabe




Bubaque… a ilha “isolada”, sem telefone, luz, água corrente, que nos acolheu durante dois meses. Recebeu-nos de braços abertos, com a sua beleza natural, os seus costumes, a sua música e, principalmente, a alegria da sua gente. Gente sábia, onde os “omis grandi” são ouvidos e respeitados, as “mindjeres”, as mais bonitas e lutadoras de todas, caminham com os filhos às costas e os alguidares à cabeça, e os “mininos” que, apesar de ainda crianças, pensam e falam como gente grande. Gente sofrida, batalhadora, paciente, com histórias de vida impressionantes e inesquecíveis. Gente que tem tão pouco e, ainda assim, nos deu tanto.

Chegámos num dia cinzento, após quatro horas de viagem, a um porto aparentemente caótico, onde pessoas e animais esperavam a canoa vinda da capital. Um carro, dos pouquíssimos existentes na ilha, aguardava-nos e levou-nos àquela que iria ser a “nossa” casa, ainda vazia, mas que depressa se encheu, com coisas e pessoas que, após alguns dias, paravam e ficavam para o “djumbai”. Crianças e adultos, com quem aprendemos, através deste tempo que passávamos juntos, que às vezes um olhar vale mais que mil palavras.

E assim começou o “Nô Djunta Mon” em Bubaque, com idas regulares ao poço, ao mercado, ao porto, que aos poucos foi ganhando cor e sentido, e como não podia deixar de ser, aos nossos locais de trabalho, onde partilhámos experiências e saberes com as “nossas” mulheres, professores, jornalistas, bibliotecárias…

Foram dias cheios, divididos entre as tarefas domésticas e as actividades de formação, terminados em noites recheadas de estrelas, desejos, relâmpagos, conversas… Sem esquecer o jantar, um peixe daquele mar delicioso, à luz das velas e ao som da rádio local “Djan-Djan”.

No final, trouxemos na bagagem sorrisos, histórias, aventuras e a vontade de um dia querer voltar. Voltar a estar com aquela gente, a pisar aquela terra, a sentir aquele mar. Voltar a viver um dia de cada vez, com a certeza de que hoje estamos aqui. E amanhã?

Patrícia Cunha
Ex-Voluntária que integrou o projecto em 2006



Bissau... Soube-nos a Vida!



“E ali estávamos nós ofegados pelo calor que nos cercava e fazia com que falássemos baixinho.. colados e transpirados..com as pernas entrelaçadas.. iluminados por uma vela.. como num episódio de um filme romântico! Saíste.. entraste..! Saíste sozinho e entraste acompanhado..com um grande sorriso na cara! Rimos juntos! Ás gargalhadas e deliciados partilhámos o copo ( com uma bebida vinda de longe! Deliciosa!), o prato.. uma soberba refeição!! Soube-nos a vida! Não pelo que era mas por tudo o que significava!

A verdade é que a situação não tinha nada de romântico e só estávamos colados porque não havia mais espaço!!! Tudo se passava num rústico restaurante da nossa Guiné.. como não podia deixar de ser!

O calor era de facto ofegante porque o calor da Guiné é assim! Húmido, acolhedor e amigo! Estávamos colados por sermos oito ( não éramos um casal apaixonado! Não! Éramos um grupo de voluntários! Não menos apaixonados, por certo!) Estávamos sentados numa estreita mesa de madeira (pequena tábua?!)..sem romantismos, sem suspiros e sem promessas de amor! A viver cada momento como se fosse o primeiro!! Pernas entrelaçadas porque se não estivessem não chegávamos sequer ao prato! O copo.. foi uma guerra para encontrar-mos um limpo!(sei que tentaste Cátia!) Partilhámos o mesmo espaguete.. o prato da casa (único por sua vez) acabadinho de fazer.. disso não tínhamos dúvidas..! É que..

Bom.. o Hugo tinha saído para ir comprar as bebidas à mercearia..(não porque o stock estivesse esgotado no restaurante.. nunca!! Apetecia-nos algo da mercearia! E então?!!) Voltava com o dono do restaurante a quem tínhamos acabado de fazer o pedido daquele grande pitéu!! (Na verdade era mesmo bom! Soube-nos muito melhor que qualquer pasta servida num restaurante em Roma!).

Voltavam juntos porque se tinham encontrado na mercearia.. um encontro casual.. nada de surpreendente.. ”Por aqui?, perguntou o Hugo. Conversa puxa conversa ou conversa descontraída à moda da Guiné puxa conversa descontraída à moda da Guiné e o Hugo acabou por emprestar dinheiro àquele grande gestor hoteleiro, para que comprasse o espaguete que viríamos a comer 20 minutos depois!! Fresquíssimo! No final.. nada que não se resolva com um acerto de contas!

Há coisas que na Guiné, como que por magia, foram estranhamente descomplicadas! E não me venham cá dizer que não há magia porque há!!Cá onde eu vivo, nos sítios onde só há lugar para três não cabem trinta! Nem comida feita para dois dá para dez!É bruxedo de certeza!Só pode!

E foram estes os momentos que nos uniram a ela... à Guiné... a ele... Nô Djunta Mon... era paixão que sentíamos...! Só podia...!

Rita Magalhães
Ex-voluntária que integrou o projecto em 2006




Me ta levo’b na nha pensament...



Lembro-me muitas vezes da viagem de avião de volta para Portugal. O sol começou forte e pôs-se antes de Lisboa, as nuvens brancas seguiam-se calmamente e o meu pensamento estava preso, a sufocar, à ilha que eu temia nunca mais rever. Cantava para mim, repetidamente, uma música que várias vezes ouvi tocar em Santo Antão, nas violas quentes dos nossos amigos, que fala do mar azul... aquele mar que por baixo de mim desaparecia.
Me ta levo’b na nha pensament...

Em algumas horas a planar sobre o Atlântico, dois meses de acontecimentos foram-se condensando em conclusões, aprendizagens, medos, surpresas, desejos. Fui tentando arrumar - em jeito de desarrumação – as mil coisas que trazia presas a mim daquela terra. O calor, as pessoas, o mar, as músicas, a comida, os sorrisos, o empenho, a paisagem, os hábitos, os sítios, os cheiros... Tentava guardar tudo bem guardadinho, não fosse eu perder nada, mas ao mesmo tempo ficava como uma criança que não quer guardar os bonecos e que continua a brincar com eles. Enquanto todas aquelas sensações estivessem frescas, só queria revivê-las, pensá-las, sorri-las. Apetecia-me abraçar tudo com força suficiente para levar Porto Novo comigo, a cidade que foi, durante um bocadinho, um bocadinho minha.
Mas o avião não parou nunca. E aos poucos, eu, a criança resignada, fui guardando os brinquedos. Mas não longe: ficaram guardados na bagagem de mão, para que estivessem sempre perto, e ainda aqui estão agora, como uma manta em que me enrolo quando tenho frio.

Cabo Verde é um país de forças. Com uma terra madrasta e um mar pai, as pessoas aprenderam a olhar as dificuldades com um olhar misto de desafio e respeito, tão pronto para ir à luta como para reconhecer a importância de ter suficiente. Há riquezas que lá conheci que nós, portugueses europeus do mundo industrial, perdemos há muito tempo no nosso caminho. E ainda que as riquezas sejam incomparáveis – a beleza não mata a fome como o dinheiro não mata a infelicidade – eu encontrei-me na riqueza daquelas ilhas; na calma com que a vida decorre, nos sorrisos e acenos das pessoas, no calor contagiante, na genuinidade das palavras, na humildade. Encontrei-me na simpatia da vizinha que nos emprestava a panela, na mercearia onde ia buscar o pão quente pela manhã, na praça onde as crianças brincavam incansavelmente, na paisagem seca onde os rios não passam e na paisagem verde que os rios abençoam, na costa infinita de mar azul que todos os dias eu via ao fundo do meu dia-a-dia. É uma terra de contrastes e de diferenças mas onde reina uma harmonia inexplicável.

Um pouco dessa harmonia ficou comigo. Sinto-a todos os dias e sinto-me infinitamente grata por isso. Cabo Verde ensinou-me algo, mais do que eu consegui ensinar-lhe.

Desde que o avião aterrou em Lisboa, já de sol posto e repleta de luzes, que continuo a vizualizar aquele céu marejado de nuvens brancas e calmas, trespassadas pela luz forte do sol, a afastarem-se por cima do mar azul. Continuo a ornamentar a imagem com a mesma música e é, para mim, um símbolo de memória, calma e crescimento. Há momentos na vida em que sentimos um hiato, um intervalo entre duas coisas distintas. Eu senti-o naquele momento. Sou grata por mil coisas na minha vida, devo ser uma pessoa de sorte... e Cabo Verde foi sem dúvido o mais poderoso amuleto que pisei.

Sandra Faustino
Ex-voluntária que integrou o projecto em 2006