Tuesday, September 16, 2008

Desbravando a Guiné-Bissau




SU:
Aquele que pensámos que seria o nosso projecto NDM durante toda a preparação em Lisboa, revelou ser, no último dia antes da partida, completamente diferente… Depois
do “pânico” inicial, podemos dizer que foi uma excelente alteração de planos para nós e esperamos que para os novos parceiros que resultaram desta alteração, também!
Assim, o grupo de Pitche e Pirada (com ficámos conhecidos pelo ISU e restantes companheiros NDM) merece ser rebaptizado para grupo Guiné! Em vez de ficarmos um mês em Pirada e outro em Pitche (como previsto), devido ao cancelamento da formação de professores que foram convocados a estarem presentes noutra formação do Ministério da Educação (retirando assim um mês de trabalho ao projecto inicial), acabámos por assegurar duas semanas de formação em Bissau, também a professores do ensino básico, no Liceu João XXIII. Desta forma, estivemos juntos com o grupo de Bissau: Margarida, Rita, Tiago e Tânia. O nosso parceiro foi também o CIEE – Comissão Inter-diocesana de Educação e Ensino e vivemos as primeiras três semanas de Guiné-bissau, na Cúria.

Enquanto nós trabalhávamos com os professores aquela que é língua oficial neste país, a língua de Camões (e também 3 dias dedicados à pedagogia da matemática), o grupo de Bissau trabalhava os mesmos temas com um grupo de futuras educadoras de infância. A vida a 7 correu muito bem entre cozinhados, limpezas, lavagem de roupa no tanque, compras na feira do Bandim, passeios a pé e de toca-toca, visitas à família da Iza (sim, temos a sorte de ter uma descendente Guineense no grupo, que fala crioulo!), conversas, risos, música e aquela que era a tarefa diária e obrigatória: a preparação da sessão do dia seguinte. Decidir os conteúdos mais pertinentes na vasta gramática portuguesa, a forma de passá-los, o tempo que iríamos dedicar a cada tema, a preocupação pedagógica e criativa, a importância da participação dos formandos… porque em qualquer formação o mais importante é a partilha de conhecimentos, experiências e amizade. E isto foi conseguido!

Sentimos grandes dificuldades na comunicação e questionámos até a pertinência de ser o português a língua oficial já que todos os guineenses falam crioulo, depois o dialecto da sua etnia e só depois a língua oficial; os professores embora “tenham” que dar as aulas em português têm imensas lacunas visto que a maioria fez o 11º ano neste “sistema de aprendizagem da língua” e depois obviamente vai dar as suas aulas de acordo com aquilo que sabe. Enfim, esta é com certeza uma matéria polémica e que envolve variadíssimas questões… mas não podíamos deixar de fazer este “desabafo”.

Temos a certeza que estas duas semanas contribuíram para relembrar aspectos importantes sobre o português e a matemática, agora só é preciso que os professores continuem a aperfeiçoar cada vez mais os seus conhecimentos e competências através de mais formações e estudo constantes. Terminámos as duas semanas de formação com poemas, música, palmas, doces e um jogo de futebol entre as duas turmas! Nesta fase despedimo-nos do nosso parceiro (cumprimentos/mantenhas para o padre Joaquim, Irmã Noeli, Irmã Dina, Irmã Lurdes e todas as outras Irmãs) e despedimo-nos do grupo de Bissau com fortes abraços e votos de continuação de bom projecto, a partir daquele momento sem nós J! Os 3 seguimos do enterramento para Gabu… mais uma excelente etapa desta “viagem”. No Sta Djunto!


IZA:
Após as primeiras três grandes semanas de Nô Djunta Mon em Bissau foi altura de partir para Gabú, onde estava a decorrer a III Escola Nacional de Voluntariado da Guiné Bissau, organizada pela RENAJ (Rede Nacional de Associações Juvenis) e onde o grupo de Pitche e Pirada iria durante uma semana dar formação.
Despedimo-nos do grupo de Bissau já com saudades.

Planos de trabalho e parceiros de projecto diferentes levavam-nos a conhecer uma outra Guiné. Chegamos à escola Luís Fona Tchuda, o local do encontro, e deparamo-nos como uma outra realidade. A nossa chegada interrompeu um dos jogos de futebol do campeonato da Escola, mas ainda assim a recepção foi calorosa. A equipa da Comissão apresentou-nos o espaço: as sete camaratas, a cozinha/ espaço para preparação das refeições, as salas de formação, a campo de futebol e o espaço reservado à bandeira do país. Todo aquele recinto escolar tinha sido devidamente preparado para o encontro.
Participavam na escola cerca de 150 jovens formandos entre os 15 e os 30 anos de idade. Havia toda uma organização que era seguida à risca por todos os participantes...éramos muitos e sentia-se essa necessidade. Havia horas para acordar e dormir, horas para as refeições, horas para as actividades desportivas e claro…para o djunbai. A Escola, pela sua organização fazia lembrar um campo de férias (em que os jovens não estavam de férias).

A par da formação que decorria de segunda a sexta durante quatro horas, a Escola tinha programado outras actividades de lazer, culturais e desportivas. Os dias na escola eram vividos de forma bastante intensa...o djunbai diário, a partilha de camas, casas de banho e refeições fazia com que todos aqueles “campistas” que conhecíamos à apenas alguns dias já fossem para nós colegas de longa data.

O grupo de Pitche e Pirada formava duas turmas diferentes: uma de saúde sexual reprodutiva e outra de associativismo, cidadania e voluntariado. Cada uma das turmas tinha cerca de 25 formandos. Como é de praxe nas formações do ISU a metodologia utilizada era a da máxima participação possível para que os jovens se sentissem envolvidos e se identificassem com a formação que integravam. A língua portuguesa era, para alguns formandos, uma barreira de comunicação, o que fazia com que nos primeiros tempos de formação alguns deles se tivessem sentido mais retraídos. A seu tempo foi sendo cumprido o objectivo da formação e no final foi possível fazer uma avaliação positiva da mesma. Pensamos ter contribuído com o nosso melhor para o cumprimento de mais um desafio deste projecto.

Foi uma experiência nova e sem duvida enriquecedora….ali víamos aquilo que de Portugal nos diziam ser o nô djunta mon.
O nosso muito obrigado à Comissão e a todos os campistas pelos momentos que nos proporcionaram.


FRANCISCO:
Em Pirada, bem no interior da Guiné-Bissau, a 10 minutos a pé da fronteira com o Senegal, terminamos agora uma experiência bem intensa: rica, mas cheia de contradições.

Na casa da ONG guineense Divutec, de onde escrevo, fomos carinhosamente acolhidos pelo Sérifo, o Ussumane e a Mariama. Aqui nos habituámos a cozinhar a carvão e a comer todos da mesma travessa, a ir buscar água ao poço e a ter um buraco no chão a fazer as vezes de casa de banho. Aqui nos refugiámos deste calor pesado e indescritível, que torna cada gesto uma epopeia. Aqui tivemos longas e divertidas conversas, bebemos warga (um chá delicioso) e conhecemos um monte de miúdos que todos os dias nos apareceram à porta (e que neste momento estão ao meu lado a ver-me escrever no bloco e a gozar comigo, imitando os todos os meus gestos).

Na primeira semana demos uma formação às parteiras e aos agentes de saúde das tabancas (aldeias) da região em educação para a saúde e nutrição. Elas e eles apareceram-nos todos os dias com longos sorrisos, uma grande calma e uma imensa vontade de aprender. E com dois enormes obstáculos: quase ninguém falava crioulo (português ninguém fala!), e quase ninguém sabe ler nem escrever. Foram cinco dias de formações traduzidas para fula (a língua local) pelo Sérifo, sem cadernos nem quadro, entre difíceis momentos expositivos e pequenos trabalhos de grupo.
Aqui, onde não chegam medicamentos ou médicos, e sobretudo não chega informação, a diarreia, a malária, a sida, a tuberculose e tantas outras doenças fazem parte do quotidiano das tabancas. Aqui, onde a formação e o nosso pequeno contributo são mais precisos, é onde eles são mais difíceis. E na mesma medida em que percebemos a importância do que cá viemos fazer, sentimo-nos largamente frustrados por todas as nossas limitações.

A segunda semana foi passada com os jovens de Pirada, para falar de cidadania, associativismo e saúde sexual e reprodutiva. De novo dois obstáculos, agora mais fáceis de contornar. Por um lado quase ninguém fala português. Graças à Iza, que fala crioulo, procurámos fazer quase toda a formação naquela que é, a existir alguma, a verdadeira língua nacional da Guiné-Bissau. Por outro lado, tínhamos quase 50 formandos. É um número muito difícil de trabalhar e foi impossível haver silêncio, mas é óptimo ver tantos jovens com vontade de aprender.

Aqui, onde as oportunidades e o emprego vêm e vão com o vento (e há muito pouco vento na Guiné), todos desejam apenas uma coisa: “Leva-me contigo para Lisboa!”. Aqui, onde não chega a educação e a informação, são poucas as hipóteses de um jovem se sentir útil e realizado, e de participar activamente na construção do país e de um futuro. Aqui em Pirada, quase 50 jovens participaram pela primeira vez numa formação. Pela primeira vez estiveram juntos desta forma, a discutir ideias. Aqui, sabemo-lo, as formações são precisas. Mas também sabemos que uma semana não basta…!


EQUIPA NDM PITCHE E PIRADA 2008

Susana Costa, Izaliana Parente e Francisco Pedro

3 comments:

Anonymous said...

grande grupo que aventura esta, largados à Guiné com tanta limitação e dificuldades em comunicar. vê-se bem que passaram por batalhas que vos devem ter dado imenso gozo estamos ansiosos por vos ouvir na primeira pessoa!
beijos de todos os isus
sara

Anonymous said...

NÔ DJUNTA MON!
Estamos juntos!
Que bom ler notícias do projecto - louvado esforço de comunicar - saber como estão a viver, compreender as situações que descrevem, e sentir a riqueza e pobreza destes projectos. É assim a vida, é assim a Guiné; é necessário conhecermos os mundos uns dos outros,tentarmos compreender e mudarmo-nos mutuamente, sempre para melhor, que o pouco pode ser muito!
Nô sta djunto

Marta

Anonymous said...

Grande grupo... grandes acções... grande o esforço!
E só me ocorre o seguinte pensamento: do que parece pouco surge o muito, isto porque a semente e a marca que deixamos e que trazemos, contando com a vontade de cada um, pode levar toda a experiencia mais longe do que alguma vez possamos imaginar!

Tenho saudades de viver e sentir tudo o que voces descrevem, por isso agradeço por estas palavras que me fizeram relembrar muitas coisas e querer ser um SER MELHOR...

Beijos,
Maria